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Entrevista com Camila Camila, diretora de “Ana”

Entrevista com Camila Camila, diretora de “Ana”

Em entrevista, a diretora Camila Camila, que concorre na Mostra Competitiva do VI CachoeiraDoc com o documentário “Ana”, fala sobre memória, passado e cinema.

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Em entrevista, a diretora Camila Camila, que concorre na Mostra Competitiva do VI CachoeiraDoc com o documentário “Ana”, fala sobre memória, passado e cinema.

Qual o maior desafio de falar do passado sem recorrer as palavras?

Eu acho que é a relação sensorial com os objetos, de você conseguir organizar um cenário que toque outro. Porque “Ana” tem a questão de que não sou eu que estou lidando com aquelas memórias diretamente na cena, né? Um corpo está presente. Então, além de tratar das memórias sem necessariamente usar a fala, eu ainda tenho que provocar essas memórias num outro que não as viveu, que não as escuta desde a infância, aquelas em específico. Aí, acho que tem uma relação mais de escolha. Em “Ana” funcionou, porque teve um projeto de pesquisa de quem vai trabalhar nesse filme e que tipo de público vamos tocar também. Por se tratar de mulheres, às vezes, não falar diretamente com palavras toca muito, porque cada mulher tem uma identificação diretamente com o seu corpo. Então, por mais que ela não escute as palavras de opressão, de angústia ou de libertação, tem memórias sensoriais muito próximas as que buscamos. O maior desafio é conseguir chegar na sensorialidade do outro, qual outro você quer tocar e saber como tocá-lo.

Falar sobre memória familiar usando performance e uma mise-en-scène apurada deixa “Ana” na fronteira entre o documentário e a ficção. Como esse processo dialoga com as tendências contemporâneas do documentário que utilizam cada vez mais isso?

Eu até brinco na sinopse que a memória é um instrumento de ficção, que foi bem quando eu estava pesquisando isso do cinema híbrido. Essa coisa de prender a verdade e a realidade num mesmo laço é muito complexo, porque cada olho é um olho, cada íris é uma íris, cada corpo é um corpo. Então, ao prender o filme a uma formulação que já está ali lhe impondo algo, você acaba não tendo o princípio básico de que o documentário tem que lhe ultrapassar e você deve ultrapassá-lo também. Acho que o mais interessante do documentário é essa interação. Para “Ana”, pensamos muito nessa relação contemporânea não só no documentário, mas também nas artes em geral, que é a ação da performance, a sociedade através do corpo e o espaço em diálogo. – quando pensamos nesse documentário contemporâneo que quer trabalhar o corpo, que quer trabalhar as expressões… O documentário contemporâneo tem puxado muito esse mix da linguagem cinematográfica com as outras artes. O mundo respira arte e se o documentário capta o mundo, ele também tem que captar as suas expressões.

A performance e a relação com o corpo é o que está mais em evidência. As memórias são sensoriais e corporais e, para isso, pegamos um pouco da relação com a performance e trabalhamos com outro corpo, o de uma atriz. Utilizamos a ideia de performance como programa. A performance em si é um acontecimento, mas para isso existe um programa. Busca-se uma pesquisa do que aquele acontecimento em si pode vir a provocar e o que o nutre. É o que tentamos fazer em “Ana”: buscar questões e anseios para a construção desse programa e, a partir dele, desenvolver o filme e a ação.

Uma atriz expressa as suas memórias e de sua família. Então, você é uma ponte entre as memórias familiares e íntimas e a atriz convidada. Como foi o processo de criação da personagem?

Desde o primeiro momento que pensei em contar as histórias das mulheres da minha família, não queria estar no filme. Então, inicialmente, pensei muito em trabalhar a atriz social – não que a Luísa não seja uma atriz social -, mas de pegar na raiz do conceito: que é reinterpretar suas próprias histórias, o que Jean Rouch faz. Eu queria trabalhar com minha mãe e minhas tias, mas fui desapegando dessas histórias, porque elas não gostaram da ideia de se interpretarem. Daí, veio a ideia de buscar o corpo de uma atriz para isso, obviamente uma mulher. Por tratar dessa alteridade, eu precisava de uma mulher que tivesse contextos próximos aos meus: contextos de raça, de classe social, de como a família é composta. A ex-namorada de Letícia, que é a minha esposa, é atriz e tem um trabalho de performance sobre gênero e expressividade do corpo. Assisti a um filme dela e falei “Poxa!”. Quando olhei as imagens, ela é idêntica a minha tia mais velha quando jovem, e isso é uma das coisas do encontro que talvez a teoria não explique: é quando você encontra alguém que, além de tudo, tem uma estética muito próxima a sua.

Começamos a trabalhar com ela e como no nosso programa não tinha ações, não existia uma decupagem de ação, então não falávamos “Luísa faz isso”, “Luísa faz aquilo”. Ao mesmo tempo, queria que ela também relatasse histórias. Eu busquei muito mais dela para ver o que tínhamos pensando para a história, os elementos que somavam, o que mais tinha de próximo. Assim, fizemos um programa com as histórias eleitas da minha família e histórias que eram comuns ao gênero feminino, comuns às mulheres que nos rodeavam. Esse roteiro só tinha um fio narrativo, de como se uma única personagem tivesse transitado dos 8 aos 45 anos. Também passei as minhas fotografias de família para a atriz e a coloquei em contato com a minha mãe.

Como eu queria a reação espontânea da atriz para o documentário acontecer (que é esse ímpeto da existência naquele minuto datado), ela não viu a locação, não viu os objetos, não viu nada. A primeira vez que ela entrou no cenário, entrou com o figurino da personagem e com a locação pronta. Então, ela passou a existir naquele mundo. Não tinha prévia do que era nada: ela não sabia com eram as cores e os objetos; não teve ensaio, não teve nada. Nós passávamos a cena sem nenhuma indicação minha: “Luísa, esse é o espaço, essas são as histórias”. Era uma ação livre mesmo, um fluxo livre.

No segundo take, eu ia tratando a atriz como a personagem e fazendo junto com ela. A minha direção foi muito interativa, quando a ação estava acontecendo, eu estava lidando com Ana e não com Luísa. “Ana o seu café!”. “Ana o fogo!”. “Ana a televisão tá ligada!”. Sabe? Ações interações diretas com ela. Quando ela pulava a janela, eu pulava junto, para que ela tivesse a noção expressiva do meu corpo, com eu reagia.

Texto e entrevista: Ulisses Arthur
Foto: Pedro Maia

1 comentário

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1 Comentários

  • Evandro
    8 de setembro de 2015, 23:15

    Muito boa entrevista sobre o processo de um belo filme.

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