Diretora concorre na Mostra Competitiva do VI CachoeiraDoc
Como foi sua aproximação com o Hospital psiquiátrico Juliano Moreira e como a vivência lhe ajudou nas estratégias de abordagem?
Eu tive a oportunidade de ler um livro do psicanalista Marcelo Veras, que conta a sua experiência como diretor do Hospital Juliano Moreira. Ele foi diretor do hospital durante 10 anos e escreveu esse livro. Ele fala que essa escrita foi o seu luto. Numa conversa, Veras me apresentou o Criamundo, uma instituição que na época da filmagem ficava dentro do hospital Juliano Moreira. Quando ele me apresentou o hospital, eu vi que era uma excelente oportunidade de conhecer melhor aquele mundo.
Comecei com uma equipe bem reduzida: Amanda Gracioli, que é a produtora, Gabriel Teixeira, o diretor de fotografia, João Tatu, técnico de som. Íamos de manhã cedo e passávamos o dia no hospital. No início, no primeiro mês conhecendo as pessoas, muitas vezes não filmávamos nada. Passávamos dias e dias com a câmera desligada, às vezes ligávamos a câmera, mas nada acontecia. Realmente queríamos conhecer aquele lugar com profundidade, nos apropriar daquele lugar, daquele mundo, conhecendo as subjetividades daquelas pessoas de uma forma intensa. Por isso escolhemos esse método de imersão no hospital.
Por se tratar de um filme dentro de um hospital psiquiátrico, a clausura tanto física quanto social é uma questão do processo. Quais os desafios de filmar esses corpos limitados?
Os desafios vão desde as questões práticas, de como entrar no hospital e ter acesso aquele mundo e pessoas, até os nossos desafios internos, nosso psicológico, de nos conhecermos, de nos descobrimos. Foi uma autodescoberta para nós todos. O filme trazia questões, vendo aquele mundo e ouvindo aquelas entrevistas, vendo aquela realidade, isso tudo nos fazia questionar sobre as nossas próprias experiências, sobre as nossas próprias questões, sobre as nossas próprias loucuras. Então, acho que a vivência em si, dessa maneira tão intensa, foi o maior desafio.
Ora a câmera está protegida pela grade, ora está no corredor do hospital entre os enfermos, todos agrupados andando em frente à câmera. Como funcionou esse trânsito entre estar protegido e estar exposto?
Essa cena (a do corredor), ironicamente onde mostramos o interior, que na verdade é o exterior do Criamundo – mas o mais interior do hospital -, foi feita no primeiro dia de filmagem. Estávamos com o olhar bem ingênuo ainda, bem virgem, e Elizângela, que é a personagem principal, nos levou e nós a seguimos. Essa sequência, no original, é um plano sequência de vinte minutos, e foi conduzida naturalmente por ela e pelas pessoas que queriam ser filmadas e atravessavam a nossa câmera.
Você consegue o acesso ao universo de duas personagens femininas de realidades diferentes. Como foi a negociação da mise-en-scène com ambas?
Foi bem diferente uma da outra. Leonor teve uma resistência no início, não mostrava uma abertura. Não que ela não quisesse, é que não estava tão aberta para participar das filmagens. Depois de algum tempo, resolveu dar algumas entrevistas, mas no final já estava superaberta e queria muito fazer parte do filme. Ela pedia para ser entrevistada e aquilo ali acabou se tornando natural. Eu diria assim: foi quase como uma amizade, sendo construída pouco a pouco, ganhando confiança. Já Elizângela, desde o início queria fazer parte da filmagem, queria ser filmada e estava pronta sempre, bem-receptiva à câmera.
Texto e entrevista: Ulisses Arthur
Foto: Geovane Peixoto
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