– por Barbara Carmo –
Alguém disse em algum lugar que “Cinema é uma arte coletiva”, eu ouvi, tenho certeza que todos metidos com a bendita da sétima arte também já ouviram e, de certa forma, faz sentido. Não se segura câmera, vara de boom e claquete enquanto se interpreta ao mesmo tempo, a não ser que se tenha um número extra de mãos ou colaboradores com quem se possa contar. Existem histórias, no entanto, que precisam ser contadas em primeira pessoa, que precisam de voz e corporificação. Este é o caso de Cinema Contemporâneo (2019).
Apesar da voz não ser a de seu realizador, apesar do corpo ser o de uma foto, ninguém jamais diria que o filme de Felipe André Silva não é pessoal, até íntimo. O texto expõe violências vividas e praticadas pelas pessoas cujos corpos sem face são enquadrados e reenquadrados repetidamente enquanto o narrador – Felipe, apesar de não ter a voz de Felipe – nos conta a história não só daquela foto em si, mas de tudo o que não podemos ver apenas em uma foto: traumas, medos, angústias.
Mas o filme não para por aí, ou melhor, não começa por aí. O texto inicia questionando o cinema em primeira pessoa, com o próprio Felipe dizendo ter ouvido uma fala a respeito contra tal artifício e concordado em parte, porém, como o próprio filme é evidência, acabou por cair na “armadilha” do individualismo.
E por que esse artifício é tão sedutor? Por que tantos filmes de jovens cineastas acabam seguindo o caminho do próprio reflexo? Por que falar de si é tão mais fácil do que falar dos outros?
Tendo também feito um filme ensaístico falando em primeira pessoa, eu sentia que apenas eu tinha os recursos para contar minha história. Isso é o que Felipe diz no final de seu filme, que apenas ele poderia contar a sua história, ou apenas o dispositivo de seu filme poderia fazê-lo.
Uma coisa que aprendi com Vander (2019) foi que ninguém nunca fala apenas de si quando faz um filme, não importa o quão dolorosamente pessoal seja o assunto. A partir do momento que seu filme está finalizado, aquilo que era seu, passa a ser coletivo, identificável e compartilhável. Com Vander aprendi que quando você fala de si, não importa o quão profundamente seu assunto seja, você está falando também de nós.
Cinema Contemporâneo fala de Felipe. E Cinema Contemporâneo também é sobre todos os Felipes.
Então voltamos ao início – ou ao fim – quando alguém em algum lugar disse que “Cinema era uma arte coletiva” e todos concordamos que fazia sentido. Porque sim, é uma arte coletiva no fazer, no apreciar, mas é também no sentir. Nada que se cria no Cinema é individual, não a partir do momento que se é compartilhado com o outro. E quando se fala de si, você está falando com e sobre uma coletividade que, mesmo se não souber, faz parte.