O VIII CachoeiraDoc – Festival de Documentários de Cachoeira divulgou o resultado dos filmes premiados na Mostra Competitiva. A cerimônia de premiação aconteceu na noite deste sábado, 9, no Cine Theatro Cachoeirano, em Cachoeira.
O longa-metragem “Ava Yvy Vera – A Terra do Povo do Raio” (Minas Gerais, 2016, 52 min.), de Genito Gomes, Valmir Gonçalves Cabreira, Jhonn Nara Gomes, Jhonatan Gomes, Edina Ximenez, Dulcídio Gomes, Sarah Brites, Joilson Brites, foi premiado pelos Júri Oficial e Júri Jovem.
O Júri Oficial também concedeu os prêmios de Melhor Curta-metragem para “Travessia” (Rio de Janeiro, 2017, 4 min.), de Safira Moreira, e duas Menções honrosas para “CorpoStyleDanceMachine” (Bahia, 2017, 7 min.), de Ulisses Arthur, e “Na Missão, com Kadu” (Minas Gerais, 2016, 28 min.), de Aiano Bemfica, Kadu Freitas e Pedro Maia de Brito.
Já o Júri Jovem do festival premiou como Melhor Curta-metragem os filmes “A Gis” (São Paulo, 2016, 20 min.), de Thiago Carvalhaes, e “Deus” (Rio Grande do Sul/ São Paulo, 2016, 25 min.), de Vinicius Silva. O curta “Historiografia” (São Paulo, 2017, 4 min.), de Amanda Pó, recebeu uma Menção honrosa.
Os vencedores receberam o troféu criado pelo artista baiano Louco Filho, que presta homenagem às irmãs da Irmandade da Boa Morte. A noite de premiação contou ainda com a apresentação do grupo Àttøøxxá, na Praça Teixeira de Freitas.
O Júri Oficial é formado pela montadora Cristina Amaral, a pesquisadora Laura Bezerra e o crítico e pesquisador Rafael Carvalho. Já o Júri Jovem é composto pelos alunos da UFRB Álex Santos, Fábio Rodrigues e Geilane de Oliveira.
O festival
O CachoeiraDoc – Festival de Documentários de Cachoeira busca fomentar a difusão e a produção de documentários, assim como a discussão sobre o gênero, por meio de oficinas, debates, ciclo de conferências e exibição de filmes.
Em oito edições, cerca de 18 mil pessoas assistiram a mais de 325 documentários, muitos deles inéditos na Bahia e Brasil.
O festival é uma realização da Ritos Produções e do Grupo de Estudos e Práticas do Documentário, do Curso de Cinema e Audiovisual da UFRB, e conta com o apoio financeiro do Fundo de Cultura da Secretaria de Cultura da
Filmes premiados no VIII CachoeiraDoc
Veja o que justificou os jurados:
Júri oficial
“O júri, Cristina Amaral, Laura Bezerra e Rafael Carvalho, gostaria de louvar não somente a qualidade dos filmes exibidos no VIII CachoeiraDoc, mas também a aposta feita anualmente por um cinema de ponta
conectado com questões políticas urgentes e sérias e que revelam a personalidade forte
deste festival.
Curta-metragem
A imposição de uma situação molda a forma deste filme. Está impresso nele o
desamparo de uma população diante da violência policial e do descaso governamental
pelos direitos humanos mais básicos e que apontam para uma tragédia anunciada, mas à
qual se resiste através do gesto de continuar filmando. O Júri decide dar uma menção
honrosa ao curta NA MISSÃO, COM KADU, de Aiano Bemfica, Kadu Freitas e Pedro
Maia de Brito.
Por outro lado, a busca de uma tradução cinematográfica para o exercício da liberdade
e da alegria em um contexto reacionário e repressor encontra eco em forma de luz,
brilho e resistência. O Júri concede a menção honrosa para
CORPOSTYLEDANCEMACHINE, de Ulisses Arthur.
A partir da imagem que falta na memória das famílias negras, a diretora constrói uma
imagem que aponta para o presente e para o futuro. De forma simples e sofisticada,
poética e sintética, o filme reconstrói laços que foram rompidos pela violência da
escravidão e suas consequências. O Júri concede o prêmio de melhor curta-metragem
para TRAVESSIA, de Safira Moreira.
Longa-metragem
A emergência de novos sujeitos de cinema tem trazido à tona filmes com uma
construção formal própria na maneira de espelhar na tela suas questões. Respeitando a
forma e o tempo de seu olhar os diretores abordam questões cruciais para o Brasil atual:
a violência em torno da terra, a destruição dos biomas naturais, os assassinatos, a
impunidade, a agressão à vulnerabilidade de uma sabedoria milenar. Por tudo isso e por
sua poética cinematográfica, o Júri concede o prêmio de melhor longa-metragem a
AVA IVY VERA – A TERRA DO POVO DO RAIO, de Genito Gomes, Valmir
Gonçalves Cabreira, Jhonn Nara Gomes, Jhonatan Gomes, Edina Ximenez, Dulcídio
Gomes, Sarah Brites, Joilson Brites.”
Júri jovem
“Nós, Álex Antonio dos Santos, Fabio Rodrigues Filho e Geilane de Oliveira, gostaríamos de agradecer ao CachoeiraDoc a oportunidade de experimentar este lugar de Júri. Esta oitava edição acontece em um momento difícil do nosso país, especialmente desta cidade. E é difícil porque as desigualdades e violências históricas parecem se intensificar e, justamente por isso, elas exigem de nós atenção e intervenção. Mostrar, dar a ver não é suficiente. Nos filmes desta curadoria não poucas vezes rasga-se a imagem com o grito “filma isso, filma isso” ou “é preciso levar uma câmera”, ou ainda “é preciso apontar no mínimo duas câmeras”. Estamos numa batalha de, com e por imagens. Um conflito, uma guerra que precisa de posicionamento. Não basta ser livre, precisamos nos comprometer com a liberdade. Não basta não ser racista, não ser machista, não ser lgbtfobico, é preciso empenhar -se no anti-racismo, no anti-machismo e contra qualquer tipo de lgbtfobia. No limite não basta mais filmar a dor do outro, é preciso transformá-la.
Pensar no que a “história oficial” representa é cruel, é injusto. Pensar a diversidade de gênero na historiografia clássica é realmente um desafio, quando consideramos que ao longo de toda a vida a MULHER sempre foi apagada, anulada e por isso, nunca enxergada. Este curta parece ser a própria experiência deste ser mulher, ao se perceber invisibilizada e então requisitar esse lugar de expressão, de pulsão que é a sua existência e resistência. O filme que escolhemos imprime um ideal de futuro tanto por desconstruir e recontar a “história oficial”, quanto pela visibilidade da história negligenciada. O Júri Jovem concede o prêmio de menção honrosa para o curta Historiografia, de Amanda Pó.
Nós do júri jovem decidimos repartir o prêmio de melhor curta-metragem em dois. Acreditamos que o que funda esse filme tem muito a nos dizer e nos fazer acreditar no encontro transformador entre as diferenças. Isso que o funda – o ser tocado e mobilizado à intervenção pela dor do outro – nos faz respirar num pouco de Possível. Nos faz acreditar num futuro, nos mostra que se nos juntarmos e lutarmos não teremos nem um próximo nem uma próxima morta por ser diferente, nos mostra que embora “tenha sido sempre assim”, que pareça normal algumas dores e que o horror pareça sempre maior, é Possível sermos tocados, é Possível transformar. As imagens podem nos tocar e nos transformar, podem e devem agir num movimento contrário a condescendência, a tolerância e ao paternalismo. Gostaríamos de anunciar um dos premiados de melhor curta-metragem foi A Gis, de Thiago Carvalhaes.
Um filme profundo, que traz e recria a realidade de muitos de nós. A cada imagem me vinha lembranças minhas. Tudo que se pode ter como referencia de caráter, de força e resistência. Resistência essa que está além do simples e ao mesmo tempo complexo significado da palavra. O filme detém em si uma força que eclode nossos corpos, ultrapassa as barreiras do real, assim como sua força. Numa forma de achar uma justificativa para esse prêmio, parei e olhei ao meu redor, meu contexto de vida, o meu real e percebi que ao mesmo tempo que ele atravessa tudo ao nosso redor, ele estava ali na minha casa, nossas casas, minha avó, nossas avós, minha mãe, nossas mães, minha tia, nossas tias e ali nós do Júri Jovem da oitava edição do CachoeiraDoc vimos DEUS, e ele é uma mulher preta. O filme Deus, de Vinicius Silva, também ganha prêmio de melhor curta-metragem.
O filme que escolhemos nos mostra que as categorias e critérios de análises dominantes não nos servem mais. Esse filme nos olha de uma outra forma e nos toma, nos irrompe e nos exige uma outra postura diante da história, do presente e da necessidade de intervenção e crença num outro futuro. Nada nesse filme está ileso da memória que é mobilizada e nem das demandas e dores de quem o filme e de quem é filmado. Entre muitos brilhos e luzes, esse filme se mistura para criar o novo, o Possível, o real. Esse filme nos desloca, tira nosso chão e disputa pela memória do seu povo, pelos seus direitos, e pela construção de si através e com as imagens. Por nos mostrar que o cinema não pode pouco; pelo processo que funda e expande esse filme; pelo compromisso com a vida, com a terra e com o cinema; pelo encontro transformador do raio com a imagem, nós do júri jovem com o imenso prazer, premiamos como melhor longa-metragem da oitava edição do Cachoeira Doc o filme Ava Yvy Vera: O povo da terra do raio.”