– por Dante Gabriel Lima –
Confesso que quando vejo uma tela em branco anseio ver algo escrito ali. Mas, nesse caso, as palavras que surgiam eu gostaria de nunca ter lido, gostaria que nunca tivessem sido ditas. Sair do Armário (Marina Pontes, 2018) é um filme muito mais profundo do que a própria realizadora antecipou. Em seus três minutos de duração, o filme mostra um diálogo entre mãe e filha a respeito da orientação sexual da última.
Ao primeiro olhar, pode parecer simples colocar em tela apenas uma legenda do que está sendo conversado. Contudo, ao decorrer das frases você percebe que não importa se vemos ou ouvimos, é difícil acreditar que aquelas palavras podem ser consideradas normais, seja para as vítimas que as ouvem, ou para quem as profere.
“Deus me livre. Espera eu morrer, tá?”
Cada uma das frases que Marina Pontes decidiu colocar em seu curta (que vêm de uma conversa de mais de uma hora com sua mãe) me trouxeram diversas perguntas:
O que leva uma mãe a preferir morrer ao ver a filha feliz? Como é possível enxergar na possibilidade de seu filho viver sozinho, a melhor possibilidade? E como foi construído esse preconceito de maneira que a mãe não entenda que cada palavra daquela é muito mais atroz do que qualquer preconceito alheio?
“O único conselho que eu teria pra te dar (…) Fica sozinha”
As respostas dessas perguntas podem gerar discussões por dias e poderiam ser feitas ao redor de diversos estudos e pesquisas. Mas nada traria acalanto para o ritmo de um coração partido logo depois de assistir a este filme. E com “este filme”, me refiro àquela expressão “eu já vi esse filme antes”; me refiro a essa fobia introjetada nas veias por gerações a fio, e que, infelizmente, já foi e é reproduzida infinitamente.
Posso ter sentido o que for nas várias vezes que assisti ao curta, mas em nenhum momento coloquei Mamãe numa posição de vilã, pessoa má. Já que a própria maneira que a diretora decide colocar o filme não corporifica a pessoa opressora. No final das contas, ela é uma mãe que ama a filha e deseja o melhor pra ela de acordo com o que conhece.
“Isso não é uma coisa natural (…) Queria ser mais amável, mas eu não consigo ser”
Marina abre um mundo de possibilidades para a imaginação do espectador com sua decisão de não trazer imagens à tela. As palavras, transpostas no audível e no visível, se amontoam e transbordam o peso do diálogo entre as duas. O resultado é a deformação da imagem da violência como conhecemos, proporcionada pela não corporificação, e a abertura de um espaço para os espectadores se colocarem no lugar da filha.
“Porque como sua mãe, eu não quero que você sofra, muito menos preconceito dos outros… que já basta o meu e o do seu pai.”
Os outros (que seria o mundo fora de casa) apoiando-se em estruturas sociais, sufocam e fazem de tudo para trancar as portas dos armários. Pois então, quando quem nos cria está do nosso lado, é possível enfrentar ”os outros” e lutar pelo que se é com muito mais disposição/menos desgaste. Mas independente disso, quero que cada pessoa que leia este texto não se esqueça que não está sozinhe, e dizer para nunca desistirem de serem felizes da maneira que são de verdade, com quem tiverem vontade.