– por Nilceia Figueiredo –
Queridas mulheres,
Talvez me falte palavras para falar da cena, onde a câmera quase sempre fixa, captura suas narrativas dentro de cores em contraste com as vozes da fome ao fundo. Ainda assim, arrisco.
Que foto será capaz de registrar seus feitos entre os anos 60 e 2002 enquanto a seca castiga, muito além da falta de água, os corpos gestantes que a estiagem obrigava a trabalhar no sol?
Jamais saberemos todos os detalhes, mas confesso que vocês nos encheram de coragem ao compartilharem suas histórias. Essa generosidade de quem enfrenta as “políticas paliativas” e luta por seus direitos, e ainda divide o pouco de comida que tem para que não falte tanto, já que quase não se tem nada.
Chorei pelo café da manhã partilhado, pela fome que te fez desmaiar silenciosa em casa, pelos seus seis pontos levados quando, após fugir dependurada pelo caibro do telhado o moço velho te alcança, e isso nem estupro se considerava.
A interlocução certeira, não só aproxima o público da história que reivindica certo caráter antropológico próprio da pesquisadora nascida na terra que diz só tomar consciência daquela realidade aos vinte e três anos, mas coloca também em crise as versões cinematográficas documentais que surgiam para vender a imagem da miséria, a cara da fome, o gado magro e morto deixado ao solo rachado – um set de pura devastação.
A costura que a “saia do aterro” mobilizou ao aproximar mulheres distintas e singulares, tendo porém em comum o território da expropriação de direitos básicos à vida para reivindicar: “Precisamos de trabalho porque mulher também é gente”.
E que gente, gente que luta, ama, cuida, que não se deixa cercar, porque entende que o problema não é a seca, mas a indústria que a promove.
As mobilizações políticas reaparecem entre as narrações, e nos lembram de fatos quase já esquecidos: – o sudeste foi construído pelos nordestinos. Uma beleza cuidadosa que vai sendo composta entre as comoventes narrativas e as cenas documentais reais quase magicamente entrelaçadas, sem que se percam uma da outra o fio da meada.
Saltaram-me aos olhos, suas mãos compridas, integradas por uma natureza que me lembrou o quanto de força e destreza lhes custou viver em meio a tanta violação de direitos. Mãos de quem aceitou a convocação de Maria Margarida Alves, que aparece em uma manifestação de denúncia à indústria da seca: é melhor morrer de luta do que de fome. Maria foi só mais uma mulher militante morta, nos fazendo lembrar o quanto mulheres mobilizadas são perigosas a quem interessa a cerca da seca.
Trazer para casa crianças destinadas a morrer e com especiarias da terra, devolver a elas vida, foi pura coragem de quem se reconhece dona de si, forte e corajosa.
Obrigada mulheres por enfrentar, e nos dar aula de administração na escassez. Imagino que tormento foi para o “único encarregado” perceber que nem a rotina dura imposta aos seus corpos, e as regras desmedidas que determinavam que só as grávidas a partir de cinco meses pudessem se abrigar na sombra, tirou de vocês a dignidade de cooperar e ainda hoje ter orgulho e saudade das “colegas de serviço”…
Até breve e, o bem virá!