Nesse primeiro ano do festival, a programação dessa Mostra Clássicos do Cinema do Real, composta por uma sessão especial, é dedicada a Geraldo Sarno e composta de três documentários emblemáticos deste diretor.
Geraldo Sarno é natural de Poções (1938), na Bahia, região que ressoa a cultura de Minas Gerais. Cursou a Universidade Federal da Bahia e, em 1963, por quase um ano, praticou cinema no Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos - ICAIC. Após “Viramundo” (1964/65), seu primeiro filme, e “Auto da Vitória” (1966), planejou uma enciclopédia audiovisual da cultura popular do sertão nordestino para o Instituto de Estudos Brasileiros - IEB, da Universidade de São Paulo, que realizou, em parte, com produção da Saruê Filmes, IEB e Thomas Farkas − “Jornal do sertão”, “Os imaginários”, “Vitalino/Lampião”, filmados em 1967 −, e teve continuidade, em 1968, com o “Dramática popular”, produzido pelo próprio IEB e pelo Instituto Nacional do Cinema - INC, e em 1969, com os filmes “Casa de farinha”, “Padre Cícero”, “A cantoria”, “Região Cariri”, “O engenho”, produzidos exclusivamente por Thomas Farkas. A essa enciclopédia de filmes verbetes juntaram-se “Casa Grande & Senzala” e “Segunda-Feira” (1974), “Espaço Sagrado” (1976), “O Côco de Macalé” (1982).
“Viva Cariri!” (1969), “Eu carrego um sertão dentro de mim” (1967/80) somaram-se a “Viramundo” como tentativas de confronto com a linguagem do documentário. “Eu carrego um sertão dentro de mim”, é um ensaio de construção de ponte cultural entre os sertões de Minas e do Nordeste, e expressa momento significativo de uma compreensão das relações entre arte e compromisso social. Nos anos 70, essa reflexão se estende à cultura negra do litoral, com “Espaço sagrado” e “Iaô” (1976), e chega à ficção com “Coronel Delmiro Gouveia” (1977).
Realiza ainda “A Terra Queima” (1984) e “Deus é um Fogo” (1986). A partir dos anos 90, dedica-se também a ministrar cursos de cinema e realiza a série de programas “A Linguagem do Cinema” (2000 a 2003), publica “Glauber Rocha e o Cinema Latino-Americano” (1994), co-edita a revista Cinemais e publica Cadernos do Sertão (2006). Em 2007/08 realiza “Tudo isto me parece um sonho”, filmado em Pernambuco, Bahia e Venezuela, um filme pesquisa sobre a vida do General José Ignácio de Abreu e Lima, herói da luta pela independência das colônias espanholas na América do Sul, ao lado de Simón Bolívar, e que retoma questões relacionadas ao processo de criação no cinema. Em 2010 conclui “O Último romance de Balzac”, sobre o processo de criação artística do escritor francês, a partir de um romance psicografado por um médium brasileiro.
09 de novembro (terça-feira)
16h30 | Auditório
Viramundo (Geraldo Sarno, Brasil, 1965, 37’)
Documentário sobre os migrantes nordestinos que chegam a São Paulo em busca do sonho do progresso. São cinco atos - o desembarque, o trabalho na construção civil, o trabalho na indústria, a caridade das religiões e o retorno – que delineiam esta trajetória, marcada pela desilusão, pela vontade de voltar e pelo recurso à caridade e ao misticismo, diante do desemprego e da miséria.
Viva Cariri! (Geraldo Sarno, Brasil, 1970, 36’)
Amplo painel social da região do Cariri, Ceará, vale fértil situado na confluência dos sertões áridos de cinco estados nordestinos, numa colagem de sons e imagens que desconstrói a tradicional narrativa realista e naturalista do documentário. O filme mescla o retrato das atividades econômicas da região e as manifestações religiosas do culto ao Padre Cícero. Terra da esperança e da salvação, mas também do mito, da fome e da morte, a região do Cariri é uma síntese metafórica do sertão. "Viva Cariri!" é a imagem dessa metáfora.
Eu carrego um sertão dentro de mim (Geraldo Sarno, Brasil, 1980, 14’)
Em uma entrevista dada ao seu tradutor para a língua alemã, o escritor João Guimarães Rosa expõe sua identidade e afirma não dissociar a vida da arte e o homem do escritor. Inspirado neste documento, “Eu carrego um sertão dentro de mim” busca reconstruir seu conceito de sertão. Com apoio do mestre santeiro Noza, do cantador Severino Pinto, do Coronel Chico Heráclio, de Limoeiro, e uma canção de vaqueiros cantada pelo cego Raimundo Silvestre dos Santos, pretende-se afirmar que o sertão é também uma maneira de pensar e viver, é um espaço de criação e eternidade, e por isso o carregamos dentro de nós.