por Fabio Rodrigues, Patrícia Mourão e Rayanne Layssa
Neste conjunto, estão reunidos filmes que descongelam o tempo ao trazer à tona uma memória esquecida, apagada ou silenciada nas fotografias e arquivos. Aqui, a memória latente reacende a brasa no coração do arquivo. Poderíamos resumir assim, tal como na citação de Guimarães Rosa, pixada em letras garrafais no muro de uma loteria, em Cachoeira (BA): “fui fogo depois de ser cinza”. Em grande parte das obras desta constelação, o gesto é de retornar para avançar, resgatar-se entre ou para além das imagens e documentos.
Sessão 8 – Em campo
Em comentário sobre Garrincha, Nei da Conceição, protagonista do NC5 contra a lei do impedimento, diz: “a bola chegava nele e o tempo era suspenso. O Garrincha criava espaço onde ele não existia antes. (…) O Mané era o Exú”. No filme, entre divagações, derivas, lampejos e lucidez cortantes, o ex-jogador Nei Conceição reaviva uma história de resistência e ginga do futebol e do país, recriando a realidade pela memória e reinventando a vida pela dança. Desloca-se, assim, a centralidade da bola para a dança no seu entorno, transcendendo também as quatro linhas do campo de jogo e do visível. Em Um de vermelho e um de amarelo, segundo filme do programa, é do extracampo que dois jovens aprendendo a filmar criam imagens e também recriam a realidade jogando com ela. Narrando, a expandem; aproximando-se com zoom, reencontram e recontam a paisagem.
Disponíveis online entre 12 e 20/12.
Sessão 9 – A imagem que me traz
Nos filmes Vander, Cinema Contemporâneo e Formatura, através de um arquivo mínimo confronta-se uma História de violência. Em Vander, o testemunho da filha desmonta a fotografia 3×4 do pai, tornando visível aquilo que, por assim dizer, o documento oficial não documenta. No caso de Cinema Contemporâneo, uma mesma fotografia é insistentemente reenquadrada, revelando a forte dimensão de violência inscrita em cada sorriso registrado. Discutindo dilemas do cinema em primeira pessoa, é justamente o filme, enquanto terceira margem, que torna possível a emergência do grito silenciado. Em Formatura, a história do filho, em contracampo com a da mãe, expõe a espessa dimensão política que separa duas formaturas. A imagem de arquivo da família, um “ponto de encontro com o que aconteceu brevemente”, é remontada de modo a expor no coração da imagem a ambiguidade entre o que se guarda e o que se esquece. Por fim, Quando era primavera e Entre o céu e o subsolo também lançam mão de imagens de arquivo ora para engajar-se na luta em defesa da educação, ora para refletir sobre a própria luta, retomando registros de atos e voltando à escola para projetar as memórias e reescrever a história.
Disponíveis online entre 12 e 20/12.
Sessão 10 – Não existe o eu fora do nós
O título deste programa é uma citação à canção de Caio Prado presente no curta Não fique triste menino. Neste filme, compõem-se fotografias pessoais, registros da enorme ressaca marítima que atingiu Fortaleza (CE) em 2018 e pinturas dos irmãos João e Arthur Timótheo. A costura singular com essa diversidade de arquivos produz um jogo de temporalidades, uma travessia atenta a um passado que não passou e a um baú de memória encharcado de sargaço e lágrimas, tal como sugerido na pintura de Arthur Timótheo*. Avizinhamos este curta ao longa-metragem O Bem Virá, filme que parte de uma única fotografia de 1983, onde se vê treze mulheres trabalhando numa frente de combate à seca, para ir ao encontro dessas personagens. Forte, o testemunho dessas mulheres expõe um passado de latente resistência feminina, histórica negligência do estado e violências acumuladas impostas às famílias nordestinas. A um só tempo vemos um contundente documento da barbárie e um incontestável documento da luta por justiça social.
Disponíveis online entre 12 e 20/12.
* Frame do “Não fique triste menino”, onde se vê a pintura “O presente: caixa de jóias azul e anel de ouro”, de Arthur Timótheo (1910).