por Evelyn Sacramento, Kênia Freitas e Ramayana Lira
A constelação de filmes aqui proposta nos desafia a pensar nos confins das imagens e dos sons e de nós mesmos. Filmes que de maneiras subterrâneas e/ou explosivas vislumbram futuros — e os seus depois e os seus antes (o sempre-já lá). Especulam um Brasil que não existe e, não existindo, permanece e se reinventa. Hiperficcionalizando e abrindo a ideia do documentário como registro do real para também tratar do hiper, do intra e do sub, que atravessam as nossas realidades.
Sessão 11 – “Vibra o vazio no invisível movimento”**
Obatala film (Sebastian Wiedemann) e POPXOP (Natalino Maxakali e Ana Estrela) celebram e se oferecem como narrativas de criação e cura do mundo — com faíscas de luz, escuridão, auroras; cantos-encantadores e percussão. POPXOP acompanha o ritual Maxakali dos espíritos-macacos, pontuado pelo recontar dos mitos. Reafirmando o cinema como espaço para a partilha das experiências dos eventos-encontros, POPXOP permite a imersão no jogo de aparecer/esconder, demandando uma conexão com a imagem que, ao mesmo tempo, materializa e reinventa uma cosmologia. Obatala film, um “filme-oferenda”, também aposta nas estratégias da luminescência e do ritual para criar uma experiência sensorial que se aproxime de uma experiência de conexão espiritual. Os dois filmes nos permitem pensar e sentir a potência da imagem e do som para invocar cosmologias e fazer vibrar o corpo. Ao mesmo tempo, são documentários em que reverberam os limites entre o sagrado e o segredo, o que se dá a possibilidade de imagear (e o que não), criando presenças ativas do invisível.
Disponíveis online entre 12 e 20/12.
Sessão 12 – “As naves pousaram anos atrás”***
A Cristalização de Brasília (Guerreiro do Divino Amor), Reduto (Michel Santos), Invasão Espacial (Thiago Foresti) e VAZÃO (Cecilia Assy e Marcia Rezende) transitam entre a hiperficção, o escrache, o realismo mágico e a experimentação para se interrogarem sobre os encontros impossíveis entre o absurdo e o belo, o geológico e as espaçonaves (que hoje são foguetes, mas já foram caravelas – e ainda desapropriam tudo ao redor). São filmes que confrontam a mentira fundadora colonial do mito Brasil. Em a A Cristalização de Brasília a capital federal é desnudada pelo acúmulo de imagens e narrativas que a cercam: desbravamento bandeirante, centro de poder, promessa do recomeço no vazio, charlatanismo new age. No filme tudo é excesso e, ainda assim, não tão falso quanto o que se considera a versão oficial. Excesso que também transborda em Reduto, que nos situa dentro do pesadelo do agro é pop – “o sul do país na Bahia”. Por meio do estranhamento e recusa da própria narrativa familiar, o documentário busca um reencantamento pelo singelo e pelo possível contra o grotesco. Em Invasão Espacial e VAZÃO o projeto desenvolvimentista industrial e militar atravessa e invade de forma insólita a vida das pessoas, dos rios, dos bichos, da floresta. São filmes que partem da investigação sobre a expropriação e os projetos de poder para abordar as nossas distopias em curso.
Disponíveis online entre 12 e 20/12.
Sessão 13 – “A fuga só acontece porque é impossível”****
Lembrar daquilo que esqueci (Castiel Vitorino Brasileiro), Rua Augusta, 1029 (Mirrah Iañez), Relatos Tecnopobres (João Batista Gabriel Carvalho Silva) e Veias de Fogo (Coletivo – Carnaval no Inferno) costuram rotas de fuga: na cura, na ação política e na alegria. Uma promessa feita ao avô guia os percursos de cura em Lembrar daquilo que esqueci. Uma cura processo e ritual, coletiva e individual, de um trauma brasileiro que nos funda. Cura que se articula na luta em Rua Augusta, 1029 e em Relatos Tecnopobres. O primeiro, um filme imersão que se implica estética e politicamente no processo de resistência e criação de mundo das ocupações urbanas. E o segundo, uma carta do futuro das lutas subterrâneas já em curso no agora mesmo. Cura e luta encontram-se na festa em Veias de Fogo. Se a guerra está declarada e o apocalipse se aproxima, as demônyas estão montadas e preparadas. Como na fuga musical, há um tema repetido nos filmes que se espraia pelas obras: o corpo. Os corpos são colocados no centro das dúvidas, ambiguidades, promessas e travessias que os filmes figuram. Vulneráveis e resistentes em Rua Augusta e Relatos Tecnopobres, ponto de conexão com a ancestralidade em Lembrar daquilo que esqueci e em furiosa vibração de afirmação da vida em Veias de Fogo.
Disponíveis online entre 12 e 20/12.
* “Reescrevendo o futuro: usando ficção científica para rever a justiça”, de Walidah Imarisha, 2020 (2015)
** Tradução livre de “La indetenible quietud”, de Clara Janés, 2008
*** Tradução livre do título do texto de Mark Bould, 2007
**** Referência à obra “Sem título (a fuga só acontece porque é impossível)” de Jota Mombaça. Intervenção na parede, «Arte Democracia Utopia», Museu de Arte do Rio, 2018.