Santíssima Trindade: quem filma, o que filma, por que filma?, por Álex Antônio
“Reagir à dor é também saber recontar essas histórias. Falar da dor nos permite começar a cura da dor (se é esse nosso projeto). Olhar a ferida nos permite perguntar: como tratar a ferida? Como transformar a cicatriz em tatuagem?”
SENA, Kika
No cinema negro hoje, dentro das muitas pautas, a dor tem sido um caminho muito seguido, seja ela como ponto de partida para ressignificar nosso futuro ou como o pivô para um tensionamento presente no filme. Em um dos vários momentos (bem antes dessa nova pandemia mundial estar anunciada) em que parei para refletir sobre o filme e as questões que me faziam entrar em conflito com ele, me deparei com a publicação da capa do álbum recém lançado do rapper mineiro Djonga intitulado, “Histórias da minha área”, em que ele e mais quatro colegas se deparam com os próprios corpos estendidos no chão de um beco. Nesse momento estava eu e mais dois colegas (Dani Apenas e Danrlei Moreira) e Dani nos questionou o que tínhamos achado da capa, se não era usar da dor do “outro” para um sucesso próspero. Eu e Danrlei simultaneamente falamos que tudo é uma questão de perspectiva. Quem fala dessa dor? Essa pessoa vivencia/compartilha aquilo ou só está ali dentro de uma curta relação como espectador do/a outro/a? Trindade nos faz abrir um leque de questionamentos e reflexões sobre as relações de quem filma e quem é filmado e todas as questões éticas que permeiam o documentário.
O cinema é um campo de constante mudança, está sempre se (re)moldando e moldando quem faz o uso dele das diversas formas possíveis e nós enquanto parte desse universo, a todo momento, temos que (re)pensar como o fazer filme e o fazer para que haja filme são campos delicados em que estamos diante da alteridade, do real, da “diferença”. E quando se trata de um corpo negro(a), temos que ser o mais cuidadoso possível para não acabarmos (re)construindo certas imagens que já se perpetuam nesses corpos.
Trindade (Minas Gerais, 2020, 28 min.)
Direção: Rodrigo R. Meireles – rodrigomeireles1987@gmail.com
Sinopse: Trindade ouve os ecos da escravidão desde menina. Agora, é ela quem canta.